Brazilian Gothic – Cadernos de Halloween – O saci
O saci (Çaa Cy ‒ olho mau; pérérég ‒ saltitante) é um elemental, um duende ou diabrete que, em termos de comportamento, pode ser comparado aos trolls escandinavos, aos gremlins saxões e os djinn muçulmanos. É um espírito brincalhão, malicioso, que passa as noites pregando peças e irritando e cansando os humanos.
O fenômeno poltergeist, que de acordo com algumas correntes ocultistas é provocado por elementais, bem que poderia ter a participação de sacis, pois, entre as traquinagens mais características deles, estão deslocar objetos, dar sumiço neles, fazer bagunça, espalhar sujeira pela casa, estragar comida, furtar carvão, furtar comida, fazer barulho (apitar usando o cachimbo e dar pancadas nas paredes e móveis, os famosos raps já identificados pela parapsicologia) e irritar os animais domésticos e de pasto ‒ há quem diga que eles fazem tranças com nós complicados de se desmanchar nas crinas dos cavalos e que os montam, fazendo com que os pobres animais fiquem nervosos e galopem durante toda a noite, até a exaustão (o fenômeno dos cavalos guiados, muito comentado nas regiões interioranas. Eu já tive a oportunidade de presenciar, numa ilha, esses cavalos que parecem ter em seus lombos um cavaleiro invisível, é uma coisa intrigante e assustadora. Tenho uma parenta que viveu em um sítio durante muitos anos, e que me contou que seu cavalo, de tempos em tempos, amanhecia com a crina toda embolada. A culpa, segundo ela, era do saci. “Eles fazem isso, é coisa de saci”, ela dizia.). Haveria, inclusive, segundos alguns folcloristas, uma atividade vampírica da parte dos sacis, que seria sugar um pouco de sangue dos cavalos, o que é uma coisa bastante curiosa, já que eu nunca havia associado o vampirismo de sangue com os elementais (o vampirismo energético, sim). Só recentemente eu li a respeito de alguns elementais escoceses e irlandeses que são também vampiros e até mesmo antropófagos (ou necrófagos em alguns casos, como as lâmias e os ghouls).
Assim como os djinn, o saci é capaz de conceder desejos, desde que alguém consiga roubar sua carapuça, o que ele faz para consegui-la de volta. Os sacis também provocam redemoinhos de vento e parecem se divertir muito com isso.
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Tapera naevia. Fonte: WikiAves. |
Ele surge, aqui no Brasil, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, como um pássaro misterioso e de mau agouro (saci-pererê ou mati-taperê), que confunde o caçador, fazendo com que este se embrenhe na mata, cada vez mais, à sua procura, e se perca. O caçador ouvia o canto de um ponto próximo e, quando chegava perto da folhagem onde a criaturinha deveria estar pousada, conforme a indicação do som, o passarinho voltava a cantar, só que à distância. Isso lembra uma assombração dos folclores indonésio e malaio, a Kuntilanak: dizem que, quando seu canto está próximo, ela está distante, e vice-versa.
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Saci. Adribas, 2012. |
Posteriormente, já no século XVII, na região Sul, ele adquire características do caapora e do curupira, os caboclinhos protetores das plantas e dos animais, transfigurando-se naquela figura do folclore que todos conhecem, ou seja, num humanoide preto, de uma só perna, que anda pelado, com um gorro ou barrete vermelho na cabeça, e com as palmas das mãos furadas (característica de uma assombração portuguesa conhecida como pesadelo). Alguns autores descrevem-no ciclópico (com apenas um olho, grande, localizado no meio da testa), outros, com olhos pequenos e vermelhos, como os de um roedor albino.
O saci nasce e vive em bambuzais. Gosta de fumo, de café e de doces, o que o liga a algumas entidades de cultos afro-brasileiros, que também são elementais e encantados.
Termino esta breve descrição do “aniversariante” do dia, o sr. saci, com uma citação do pesquisador Sergio O. Russo:
Os sertanejos, caboclos e todos aqueles que vivem nas matas são geralmente encarados pelos metropolitanos como ingênuos ou mesmo supersticiosos.
Contudo, suas crendices, que falam em mulas sem cabeças, saci-pererê e outros seres bizarros que se manifestam nas matas, não seriam de todo desprovidos de alguma significação.
São inúmeras as lendas de nosso sertão que falam a respeito de seres da natureza e outras entidades estranhas. Verdade ou não, existe mesmo qualquer coisa!
(RUSSO, 1987)
O interior é rico em histórias de assombrações e de criaturas fantásticas. Os caminhos ermos e as matas são habitadas por seres sobrenaturais, que despertam na escuridão para trabalhar (proteger a natureza), brincar ou para cumprir uma eventual sina, tarefa de alma penada. O que estará por trás desse trabalho do saci, que parece ser, ao mesmo tempo, seu grande lazer, que é perturbar as pessoas? Dar uma lição, para que as pessoas não repitam suas eventuais transgressões? Chamar a atenção para uma ideia de que não estamos sós neste mundo, que ele não é só nosso e que não podemos dispor dele como bem entendermos, que há uma realidade além da matéria com a qual temos que conviver ‒ e, consequentemente, uma vizinhança, que precisa ser respeitada? Talvez, um pouco de cada coisa. Só o saci saberia responder. Se você não quer ser assombrado por essas dúvidas, pergunte a ele.
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