Brazilian Gothic – Cadernos de Halloween – Tópico de hoje: Você acredita em vampiros?
Dentre todas as criaturas míticas, talvez o vampiro seja a que mais sofreu transformações nos últimos três mil anos. Ele começou como um ser incorpóreo, espiritual e não humano, mas que já se alimentava das emanações energéticas de sangue humano e animal (a contraparte astral). Ele habitava lugares descampados e ermos, encruzilhadas de estradas, construções em ruínas e cemitérios, os locais habitados pelo mocho, pela garça, pela coruja e o corvo, pelos sátiros, filhotes de serpentes e gatos e cães selvagens, onde crescem os espinhos, as urtigas e os cardos, segundo Isaías 34. E sua atividade era noturna. Esse tipo de vampiro ainda está presente em diversas religiões e cultos. São ghouls, lâmias, elementares, duendes malévolos e demônios (ou o famoso encosto, obsessor).
Posteriormente, o vampiro se humanizou, passou a ser uma espécie de alma penada humana, que se recusava a morrer e a ficar só, espalhando sua maldição como se fosse uma doença e contaminando familiares e amigos. Nesses tempos, ele continuava etéreo, materializando-se apenas quando ia atormentar suas vítimas, seu corpo permanecendo no túmulo, incorrupto e com o frescor das vidas que subtraía aos poucos em seus assaltos noturnos.
Então, a partir de Bram Stoker, Polidori e Le Fanu, o vampiro ganhou mobilidade. Passou a sair de corpo e alma de seu caixão, mas ainda com a limitação de turno (a noite), tendo como alarmes o canto dos galos e os sinos de Igreja para lembrá-lo de evitar o contato com os raios do Sol, com a luz que espanta todas as bruxas e criaturas de Satã. Ele passou a sugar o sangue material, com suas presas de morcego-vampiro e a desfrutar também de todo o conforto e status que a nobreza proporciona: passou a ser conde, príncipe das trevas. Ganhou a habilidade de se metamorfosear em morcego, rato ou lobo, capacidade herdada das antigas criaturas vampirescas, habitantes dos quatro cantos do mundo, e dos xamãs.
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De cima para baixo: Rei, rainha e princesa dos vampiros: Christopher Lee, Ingrid Pitt e Cristina Ricci |
Mais recentemente, seu espírito passou a conservar algo da humanidade da alma: não era mais um mero predador, um ser liminar obcecado por manter-se morto-vivo, mas ganhou gotas de esteta, de filósofo, apreciando a beleza da vida e da morte e tentando entendê-las mais a fundo. Alguns pararam de matar humanos, recorrendo a sangue de animais. Passaram a habitar apartamentos – embora eu ache que vampiros e apartamentos modernos não se casam; o lar pode até estar bem iluminado e sem poeira e teias de aranha, mas o edifício ao menos tem que ser do início do século XX. Outros até andam de dia e adquiriram superpoderes.
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Os terrificantes vampiros de Sanjulian, na capa da adorável e saudosa revista Kripta. |
Você acredita em vampiros? Certa noite, um senhor maçom estava tranquilamente em casa, lendo, quando alguém bateu à sua porta. Ele estranhou, pois já era tarde, perto da meia-noite. Ele se levantou e foi olhar o visor da porta. Viu, com certo espanto, que era um homem, corpulento, muito alto, e totalmente vestido de preto. Usava também uma capa preta. Seu rosto era extremamente pálido e caninos enormes desciam de seu lábio superior. “Deixe-me entrar”, disse a criatura. O senhor, mantendo o sangue frio, começou a dizer em voz alta palavras “cabalísticas” – hoje eu suponho que, na verdade, o que o senhor fez foi uma espécie de banimento. Então, a criatura vampiresca começou a diminuir de tamanho, até ficar da altura de um bonequinho. Por fim, desapareceu. Parece que, em outra ocasião, esse mesmo senhor teve um novo encontro com essa figura vampiresca e o repeliu da mesma forma, com palavras mágicas.
Esse é o único causo de vampiros que me foi relatado por uma pessoa próxima. Eu mesmo nunca presenciei nada, mas creio que eles estão por aí, tanto que mantenho uma cruz pendurada na entrada do meu quarto, tenho sempre alguns dentes de alho na cozinha e estou providenciando um espinheiro.
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