Brazilian Gothic – Cadernos de Halloween – Tópico de hoje: Lobisomens
Noite de lua cheia. A luz pálida e mortiça ilumina as estradas desertas que margeiam os sítios e fazendas do interior e as sombras das árvores e moitas formam ilhas de escuridão. Uma criatura monstruosa, peluda, de olhos vermelhos e brilhantes, que acabou de abandonar a forma humana, salta da folhagem úmida de orvalho, e começa a andar apoiada nas suas enormes patas traseiras, à procura de sangue.
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O espetacular Luiz Garcia Mozos e seu lobisomem a la Lon Chaney Jr. |
Essa variante de lobisomem, mais predadora e vampiresca, é moderna. A versão mais antiga (segundo Câmara Cascudo), portuguesa, do Minho especialmente, que herdamos, fala de uma criatura infeliz, fadada a percorrer, em duas noites por semana (terça e sexta), num curto espaço de tempo (de meia-noite às duas), sete cemitérios de igreja (adros), sete vilas acasteladas, sete partidas do mundo, sete outeiros e sete encruzilhadas até voltar para seu sítio de partida, onde volta a ser humano. Ou seja, o pobre monstro nem tinha tempo de beber sangue, como seus primos mortos-vivos, os vampiros, costumam fazer. O máximo de perturbação que ele causava era apagar as lamparinas, ao passar correndo, e perturbar os cachorros, que saíam atrás dele. Molecagem típica de duende, como o saci, que há de aparecer nessas terras sublacustres em breve.
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Lobisomens no muro de um cemitério, Maurice Sand, 1858. |
Mas como as lendas são vivas, assim como a linguagem, elas sofrem mutações e o lobisomem brasileiro foi ficando cada vez mais agressivo e sanguinário, tal como seus antepassados alemães ou franceses. Só que, de uns tempos para cá, ele foi substituído por outra criatura, o chupa-cabras – ou ao menos ganhou um forte concorrente nesse nosso gore caboclo.
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O aterrador lobisomem de Michael Jackson. |
Sabe-se que o corpo humano, embora seja bastante plástico, não é capaz de sofrer uma transformação desse quilate, então ninguém é capaz de se transformar em uma versão monstruosa de um animal (lobo, bezerro, porco etc.), nem por bruxaria, nem por fado, nem por milagre infernal. Porém, descontando-se os mentirosos e alucinados, há um percentual, ainda que pequeno, de pessoas sérias, sóbrias e saudáveis que testemunhou a aparição desse monstro. Como dizia o saudoso Sergio O. Russo, “Os sertanejos, caboclos e todos aqueles que vivem nas matas são geralmente encarados pelos metropolitanos como ingênuos ou mesmo supersticiosos. Contudo suas crendices, que falam em mulas-sem-cabeça, saci-pererê e outros seres bizarros que se manifestam nas matas, não seriam de todo desprovidas de algum significado.”
Tenho um pequeno causo de família para contar. Meu bisavô materno, bem no início do século passado, trabalhava na região portuária do Rio de Janeiro apagando lampiões a gás. Numa dessas madrugadas, ele estava trabalhando sossegado quando vislumbrou ao longe uma coisa correndo em sua direção. Como estava distante e em movimento acelerado, não era possível divisar bem como era essa coisa. Conforme se tornou mais próximo, foi possível notar que era um animal; parecia um cachorro, dizia meu bisavô, mas grande, de um tamanho incomum. Meu bisavô então sacou uma arma, um revólver. Quando a criatura passou por ele, sem desacelerar nem por um instante, meu bisavô fez pontaria e apertou o gatilho ao menos três vezes. A arma não disparou e ele sentiu arrepios por todo o corpo. Depois que a coisa se foi, meu bisavô apontou o revólver para cima e apertou o gatilho: este disparou normalmente. Eu não conheci meu bisavô, mas todos da família afirmavam que ele havia feito parte daquele grupo de pessoas sérias e sóbrias. Se não foi uma conspiração familiar e todos sofriam de síndrome de Munchausen...
...Então, que existe alguma coisa, existe. Eu tenho pra mim que o lobisomem é uma assombração, uma criatura do mundo astral ou espiritual, se preferirem, quem sabe até um elemental, e as pessoas que o viram têm algum grau de sensibilidade que as permitiu enxergá-lo. Quanto a rastros e outras evidências de suas aparições, como arranhões em portas e janelas, é possível que essa criatura seja capaz de se materializar a ponto de interferir em objetos sólidos. Existe um caso famoso (ocorrido aqui no Brasil) de Poltergeist em que objetos da casa infestada, como colchões, poltronas, uma Bíblia e até os moradores eram arranhados por enormes garras invisíveis. E as crianças da casa viram, em mais de uma ocasião, uma criatura peluda que elas chamavam de “bicho”. Estou dizendo, por trás de toda essa fumaça, há fogo.
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