Medos de uma criança nos anos 70 e 80 – parte III
Apesar de estudar no turno da tarde, eu acordava lá pelas 8 da manhã e corria para o sofá para assistir aos meus programas infantis, seriados e desenhos favoritos. Havia alguns personagens, situações e até cenários desses seriados que provocavam medo, apesar da segurança e do conforto trazidos pela claridade do dia. Esses medos formavam o repertório para os arrepios noturnos, porque o medo se manifesta com mais força depois que escurece e na solidão do quarto de dormir.
Uma das séries que me dava um
certo medo era o Elo Perdido, por causa do enredo, dos cenários e de alguns
personagens. A ideia de acidentalmente ser conduzido a outro mundo, nesse caso,
um mundo que ficou estagnado no tempo, à moda de Peluccidar, de Edgar Rice
Burroughs, é chocante e um tanto quanto medonha. A série tinha uns personagens
estranhos: seres com cara de animal marinho e corpos que remetiam a alienígenas,
e o famoso Cha-Ka, hominídeo muito feio e relativamente assustador para o olhar
de uma criança.
Minha relação com monstros é de
amor e ódio, eles me fascinam ao mesmo tempo que amedrontam e os seriados
japoneses eram um celeiro de monstros. Na época da minha infância, Spectreman e
Ultraman eram os seriados japoneses que a TV exibia. Spectreman, meu tokusatsu
preferido até hoje, era uma série bastante sombria. Tinha uma temática densa, a
poluição, uma trilha sonora sinistra, violência, mortes (com sangue, inclusive)
e criaturas apavorantes, como o Medusoide, o Vampiro do Espaço, A Bruxa de
Mefístia, aqueles vampiros-assombrações do episódio Ninho de Monstros,
as pessoas de um vilarejo que se transformavam em sapos, ninjas inteiramente
vestidos de preto que se transformavam em bolas de mato seco, múmias, entre
outros seres bizarros.
Agora eu vou falar de uma percepção que talvez seja só minha. Roberto Gómes Bolaños apreciava filmes de terror e de suspense, por isso, alguns episódios de Chaves e Chapolim, especialmente de Chapolim, possuíam uma temática sobrenatural. Eu sempre achei o clima do Chaves e do Chapolim um pouco sombrio e isso certamente tem relação com os cenários, iluminação e a fotografia do programa. Aquela vila do Chaves era sombria, tinha algo maligno pairando naquele ar, acho que por isso eu achei sensacional aquela história que diz que os personagens são almas penadas, cada uma representando um pecado capital e que a “vida” deles é um looping passado no inferno – é só uma história curiosa, não tem fundamento algum. P.S.: eu amo Chaves, Chapolim, Chespirito, Los Supergenios de la Mesa Cuadrada, enfim, tudo que foi feito pelo Bolanõs e sua turma. Como eu aprecio o gótico, o sombrio e o sinistro, estou elogiando essas séries, e não as criticando.
Para finalizar a programação infantil,
um personagem merece uma menção honrosa, não porque ele me provocasse medo, pelo
contrário, eu o achava bonachão e engraçado, mas por causa de uma lenda urbana
que “viralizou” naquela época e que era macabra: o Fofão. Alguém espalhou que
dentro do boneco, feito de pano, havia um punhal. Ora, todo mundo imaginou um
punhal de verdade, uma lâmina de aço com cabo de madeira, o que seria algo inconcebível
e terrível, mas, claro, não era nada disso. Porém, o suporte da cabeça do
boneco, que era de plástico, tinha um formato que lembrava bastante o de um
punhal, era pontudo, além de comprido. Muita gente até hoje se pergunta o
porquê desse suporte ter esse bendito formato. Convenhamos: o personagem é
esquisito, é um monstrinho, e essa lenda só aumentou o medo que muita criança
já sentia por causa da aparência dele.
Agora, vamos aos “proibidões”
daquela época, a programação adulta, exibida à noite. A sala então era ocupada
por pais, mães, tios, avós e irmãos mais velhos e, nas últimas horas da noite,
ficava tomada por aquela luminosidade azulada e fantasmagórica da televisão,
cujo raio de ação não era muito longo, deixando o ambiente com seus cantos
escuros e cheios de sombras que provocam as mais curiosas pareidolias – como
aquele jaquetão pendurado no espaldar da cadeira cuja sombra se parece com uma
pessoa à espreita.
O Fantástico, por exemplo, exibia
algumas reportagens sobre casos sobrenaturais mundialmente famosos, como o
Poltergeist de Enfield, que anos depois foi o tema do filme Invocação do Mal
2 (a fotografia da menina levitando no quarto era apavorante), o Museu das
Almas do Purgatório e suas roupas e livros com marcas chamuscadas de mãos
espectrais, gravação de vozes dos mortos (transcomunicação), casas assombradas,
evidências da reencarnação e sobre ufologia: avistamentos, contatos e abduções.
O programa exibia também reportagens sobre grandes crimes e tragédias e a mais impressionante
de todas sem dúvida foi a do incêndio no Edifício Joelma – arrepios garantidos
até hoje. Todas essas reportagens eram medonhas porque tratavam de fatos: ainda
que alguns desses acontecimentos tivessem uma explicação racional, foram
histórias insólitas e perturbadoras vivenciadas por pessoas comuns (então, nada
impedia que aquilo acontecesse comigo). O Fantástico exibia também
dramatizações de causos sobrenaturais notórios, como o do motorista que parava
para socorrer uma pessoa acidentada pedindo ajuda numa estrada escura e
deserta, e que, depois, descobria que essa pessoa estava morta, no interior do
carro que havia rolado a ribanceira pouco tempo antes...
A extinta e saudosa Rede Manchete,
mais do que a Globo, produzia muito conteúdo ligado ao sobrenatural. Essa época
já era o fim da minha infância. Casos especiais com adaptações de histórias
reais, o programa Mistério, apresentado por um Walter Avancini com um jeitão de
Zé do Caixão, e o programa Terceira Visão, sobre parapsicologia e
espiritualidade, apresentado pelo médium Gasparetto. Havia, ainda, o programa
Acredite se Quiser, que apresentava muita coisa esquisita e cuja abertura cheia
de animações enigmáticas já provocava alguns arrepios.
No SBT, um dos mais antigos
programas que tenho na minha memória é o do Flavio Cavalcanti que, de vez em
quando, trazia histórias impactantes, como o contato imediato do casal Hermínio
e Bianca com o extraterrestre Karran, e a fantástica história do Antônio
Villas-Boas e sua relação sexual com uma alienígena. Lembro de alguma coisa com o Padre Quevedo,
dele mostrando fotos que registravam alguns milagres, de santos com os corpos
incorruptíveis e de imagens vertendo lágrimas de sangue – estas davam muito
medo.
O programa do Sílvio Santos,
apesar de divertido e alto astral, tinha também a sua cota assustadora, como o quadro
Isto é Incrível. O SBT Repórter volta e meia também tinha uma pauta
arrepiante, assim como o Comando da Madrugada, do Goulart de Andrade. Jamais
vou esquecer da reportagem feita à noite, num cemitério, sobre a rotina dos
coveiros e zeladores, e da vez que ele acompanhou uma chamada do corpo de
bombeiros da grande São Paulo, que foi resgatar o corpo de um homem que estava
morto há dias dentro de seu apartamento.
Bons tempos! Tempo sombrios em um
bom sentido que talvez somente eu, por meio da minha mente insana, enxergue.
Hoje, o pouco que eu assisto de TV é via Internet, que é sensacional, sem
dúvida, mas não tem a mesma magia. É outra história.
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