O sobrenatural imita a arte
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Quatro peças de um jogo de algures, por Adribas. |
Eu cresci imerso no mundo do horror, do sobrenatural, da
fantasia e da ficção científica, lendo quadrinhos e assistindo a filmes desses
gêneros. Nos quadrinhos, até eu aprender a ler, eu ficava viajando nos desenhos
e tentando reproduzi-los, imitando toscamente com as minhas “canetinhas” Silva
Pen ou Pilot os traços de um Corben, de um Wrightson e de tantos outros
artistas que eu admirava. O que me chamava mais a atenção, nos quadrinhos e
filmes, eram os monstros: lobisomens, vampiros, mortos-vivos, múmias,
esqueletos ambulantes, criaturas disformes, duendes saltitantes, demônios,
alienígenas, robôs (naquela época eu incluía os robôs no rol dos monstros; eu
achava, por exemplo, que o Darth Vader era um robô). Eles inclusive eram meu
requisito para assistir a algum filme no cinema: eu olhava os cartazes; se
tivesse monstro, já despertava o meu interesse.
Uma prima de minha avó, que estava passando uma temporada
conosco e que passou a conhecer bem meus hobbies, numa bela noite, me deu um
alerta. Disse ela: “Terror, terror... O dia em que você vir um “terror” na sua
frente, você vai parar com essa mania.” Não me lembro o porquê dessa crítica/alerta,
muito provavelmente eu devia estar enchendo a paciência dela para que ela me
contasse algum “causo” sobrenatural que ela conhecesse ou tivesse vivenciado –
eu fazia isso com todos os adultos que eu conhecia. Eu ri desse aviso porque
achei engraçado ela se referir aos monstros como “um terror” e também absurdo.
Esse tipo de coisa nunca aconteceria comigo. Talvez eu pensasse que o fato de
eu ser um connoisseur dos monstros e de sentir por eles uma admiração
respeitosa me isentaria de qualquer mal. Por ser um expectador e leitor
compulsivo dos filmes e HQs, eu sabia de cor os métodos para combater qualquer
criatura: para vampiros, crucifixo, alho, espinheiro, água-corrente, estaca;
para lobisomens, bala de prata; para demais tipos de monstros, fogo ou orações;
para alienígenas e robôs, pistola laser (ou sabre de luz, obrigado Star Wars).
Envelheci (na cidade) e continuo amando esses gêneros
fantásticos. A profecia da prima de minha avó não se cumpriu. Até o momento,
nunca esbarrei com um “terror”, “for real”, como disse Jerry Dandridge
em A Hora do Espanto, porém, já testemunhei algumas coisas estranhas. “Casos
Malditos” (era o nome – maravilhoso, por sinal – de uma sessão da revista
Planeta que publicava relatos enviados pelos leitores).
Isso aconteceu pela minha imersão quase full time
nesse universo? Possivelmente. Certa vez, eu estava na casa de um amigo e nós,
à época, andávamos estudando Umbanda (ele, teólogo, eu, pelo viés da Antropologia
e pelo fascínio que eu tenho com religiões). Estávamos na sala ouvindo em mp3
alguns pontos e o aquecedor do banheiro – que não estava em uso, estava
desligado – começou a estalar, com força. Deu para ouvir com clareza, apesar da
distância: é um apartamento e o banheiro fica no fim de um corredor. Comentei
essa história com uma amiga que era bruxa e perguntei se ela achava que o fato
de estarmos ouvindo os pontos tinha atraído algum espírito, e ela me respondeu:
“Claro! Chamou, eles vêm!” Ou seja, lei da atração. Afinidade. Sintonia. Em O
Despertar dos Mágicos, Bergier e Pauwells citam uma ideia interessante do
escritor e crítico Jacques Rivière:
“Acontece a um homem não o que ele merece, mas o que se lhe assemelha”. Essas
coisas insólitas que eu presenciei aconteceram por eu ter uma sensibilidade
mais acentuada? Creio que sim. Talvez seja um pouco de cada coisa.
No meu caso, o sobrenatural imitou a arte, porque três
desses fatos estranhos se assemelham a eventos de plot de filmes de
horror. Infelizmente, só consegui registrar em fotos um deles, o mais recente
(foi há 2 anos, salvo engano), graças ao celular. Os outros aconteceram em
tempos anteriores à praticidade da fotografia digital. Eu até tinha uma máquina
analógica naquela época, só que ela vivia sem filme. Eu lamento apenas porque
eu não possuo esses registros para minha própria consulta. Não tenho
preocupação em provar nada para ninguém. Meu lema é “acredite se quiser”, sem stress.
Também estou bem resolvido com essas questões. Não foi sonho nem alucinação,
até porque não presenciei essas coisas sozinho. Por um acaso, meu pai estava
comigo. Eu sei o que eu vi e confio nos meus olhos (e na minha percepção).
As moscas de Amityville
Amityville é uma das histórias de casa assombrada mais
assustadoras que eu conheço. Meu primeiro contato com a narrativa (ocorrido em
1985), bem antes de ler o livro e de assistir ao filme, foi por meio de um
artigo publicado na revista Planeta, intitulado 28 noites de terror em Amityville,
artigo que li, reli e “tresli” (como dizia o José Cardoso Pires). Entre tantos
eventos arrepiantes dessa história, um me chamou bastante a atenção: a aparição
misteriosa de moscas, que se aglomeraram na vidraça de uma janela da casa, em
pleno inverno.
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As criaturas de Zebub, em Horror em Amityville. |
No final dos anos 90, numa tarde (não me recordo que dia da
semana era), possivelmente no verão, estávamos eu e meu pai na sala de nossa casa,
assistindo a TV, quando eu percebi que uma mosca entrou pela janela e foi
pousar na antena (sim, aquelas com duas hastes retráteis de alumínio, que a
gente tinha que ficar suspendendo e retraindo, abrindo, fechando e cruzando uma
com a outra até exorcizar os fantasmas da televisão). Deixamos para lá, por
preguiça de levantar da poltrona. Dali a pouco, apareceram mais duas. Eu me
levantei e dei um safanão próximo às hastes e as moscas voaram. Algo que me
chamou a atenção é que elas estavam um tanto quanto lerdas; se eu quisesse
acertá-las com alguma coisa, como um canudo de jornal, seria fácil de
eliminá-las. Algum tempo depois, eu notei que as moscas não haviam ido embora,
mas pousado no teto e aumentado de número. Havia cerca de 20 moscas ou mais. Eu
e meu pai achamos a situação tão perturbadora, que não reagimos. Pensando
friamente depois, poderíamos tê-las espantado usando vassouras, por exemplo.
Mas nós fingimos que aquilo não estava acontecendo e seguimos em frente. No
final da tarde, eu fui para meu quarto e meu pai resolveu tirar um cochilo. Mais
tarde, quando voltamos à sala, as moscas haviam desaparecido, tão
misteriosamente quanto elas chegaram.
Palavras no espelho embaçado
Esse fato aconteceu alguns anos depois do caso das moscas,
mas ainda na década de 90, na mesma casa (acho que ela é assombrada). Meu pai
foi tomar banho e ele costumava tomar banho quente mesmo em dias de relativo
calor, portanto, o banheiro estava cheio de vapor e o vidro do espelho,
embaçado.
Num dado momento, eu entrei no banheiro para falar alguma
coisa com meu pai, não me lembro o que e, ao olhar para o espelho, vi que havia
palavras escritas (em letra de forma) no vidro embaçado. Eu me aproximei e percebi
que o nome “Regina” estava pichado várias vezes, como se alguém tivesse usado a
ponta do dedo para formar as letras na camada de vapor condensado. Eu contei ao
meu pai o que eu estava vendo e ele imediatamente colocou a cabeça para fora da
cortina do box para espiar o espelho.
Então perguntei a ele se ele conhecia alguém que se chamava
Regina e ele disse que havia conhecido, há muitos anos, uma menina chamada
Regina, que fora sua colega de escola, mas com quem não manteve contato
posterior. Fiz essa pergunta já imaginando que aquela escrita no espelho seria
uma espécie de aviso do além. Outra ideia que me ocorreu, também com conotação
fantasmagórica, foi que Regina, em latim, significa “Rainha”. Curiosamente, nem
eu nem ele ficamos com medo. Encaramos o fato quase como se fosse uma coisa
normal. Nada aconteceu depois (conforme eu esperava). Em outra ocasião, essa
história se repetiu, só que, ao invés de um nome, apareceram palavras que não
faziam nenhum sentido – a não ser que elas fossem de algum dialeto obscuro ou
de alguma língua morta ( é por isso também que lamento não ter fotografado o
espelho. Hoje em dia, com a Internet, talvez eu pudesse encontrar algum
significado para essas palavras).
Existe uma cena do filme Revelação que me remeteu a
esse meu “causo”, porque mostra uma frase que aparece em um espelho embaçado. A
personagem de Michelle Pfeiffer está desconfiada de que sua vizinha foi morta
pelo marido e que o espírito da vítima está tentando se comunicar com ela,
especialmente no banheiro (ela chega a realizar uma sessão de tábua Ouija por
lá, com uma amiga, mas sem sucesso). Nessa cena, após se assustar com a manifestação
do espectro refletida no espelho e de tomar um segundo susto, logo em seguida,
com uma nova aparição da imagem da mulher, refletida dessa vez no espelho
d’água da banheira cheia, ela pergunta “O que você quer?” e, quase que
instantaneamente, aparece escrita no espelho embaçado a frase “You know” (Você
sabe).
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A caligrafia do ectoplasma |
A visita do gnomo
Dizem que gnomos e duendes são mestres em pregar peças, em
fazer diabruras. Costumam mudar objetos de lugar ou mesmo sumir com eles, fazer
barulhos irritantes, dar pequenos sustos etc. No nosso folclore existe um
célebre elemental que vive enervando os habitantes de sítios e fazendas dos
rincões do nosso país, roubando o carvão do lume para acender seu cachimbo,
derramando sal nas panelas para deixar a comida intragável, dando nós nas
crinas dos cavalos, criando redemoinhos nos terreiros e quintais e espalhando
as folhas secas e o lixo, que é o Saci. Hoje em dia existe uma gíria muito
comum que é “trollar” alguém. Trollar vem de Troll, que é um elemental do
folclore escandinavo.
Durante muitos anos eu me diverti com as travessuras do Saci
do Sítio do Pica-Pau Amarelo ( o original, dos anos 70) e vi, na ilha de
Paquetá, numa madrugada, uma lenda “ao
vivo”, que é a dos cavalos guiados, que seriam cavalos montados por sacis ou
por espíritos – é impressionante: parece mesmo que os animais estão sendo
conduzidos por alguém ou alguma coisa invisível. Já que fui visitá-los na ilha
e que li tanto a respeito deles, além de
ter assistido a tantos filmes sobre gnomos e duendes, um deles resolveu me
fazer uma visita, há cerca de dois anos.
Foi numa semana complicada. Havia muitos problemas para
resolver e a faxina da casa ficou em quinto plano. Por isso, o tampo da minha
escrivaninha estava coberto por uma fina camada de poeira. Numa manhã, eu me
levantei e fui abrir a escrivaninha para pegar uns clipes de papel, quando eu
me deparei com isto:
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A pintura rupestre da escrivaninha. |
Numa das fotos, eu aproximei uma caneta para dar ideia de
escala. A mim me parece uma pequenina mão, com três dedos. Deve ter sido o Saci
mesmo. Não foram as fadas dos dentes de Não tenha medo do escuro, porque
eu já passei da fase da troca de dentição (no livro Poltergeist, escrito
pelo saudoso pesquisador Hernani Guimarães Andrade, fundador do Instituto
Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas, ele narra um caso em que uma moça, que
morava numa casa infestada por poltergeist, sonhou que teve um dente arrancado
e, quando acordou, descobriu que estava lhe faltando um dente. Aterrador, eu
passei mais de uma semana dormindo com as luzes acesas após essa leitura) . Também
não foram os minions de O Portão porque eu não andei ouvindo nenhum
álbum de heavy metal com invocações demoníacas para se abrir portais e acelerar
o apocalipse – mas no meu quintal havia um buraco, tal como no filme. Será?
Para fechar este ensaio, narro um causo que remete ao filme O Iluminado. Aconteceu com um amigo, F. Schlemihl. Em 2009, F. viajou da Bahia a Teresópolis em busca
de uma casa de campo para alugar ou comprar. Ele se hospedou num hotel, próximo
à rodovia cuja aparência lembrava a de um clube de campo decadente, cujos
tempos áureos teriam sido na década de 60: havia piscinas abandonadas, quadras
esportivas cheias de terra, um campo de futebol com meio gramado e traves
enferrujadas, entre outras coisas com ares de abandono e ruína.
Dado o estado do hotel, F. ainda obteve desconto no preço da
estadia que já era relativamente barato. Foi dormir e, na manhã seguinte,
quando foi tomar café, notou que o lugar estava bastante vazio. Ele parecia ser
o único hóspede dali. No fim da tarde, F. saiu para visitar alguns imóveis e
ver se encontrava a casa que estava buscando e, na volta, para garantir o
jantar – parece que o hotel só servia café da manhã –, passou num mercadinho e
comprou uma garrafa de vinho e salgados.
Chegando à portaria do hotel, pediu ao mesmo atendente que o
havia recebido um saca-rolhas e um copo. O rapaz disse que F. teria que solicitar
esses itens no salão de jantar, que ficava por trás de uma porta larga, próxima
à entrada. Ao empurrar a porta, F. notou que o tal salão estava cheio, ocupado
por mais de 60 pessoas. O ambiente
estava morno, tanto que as lentes do óculos de F. embaçaram. Um dos garçons que
lá estava lhe deu dois copos e até se ofereceu para abrir a garrafa de vinho.
F. voltou ao seu quarto e jantou.
No dia seguinte, à tarde, ele fez o mesmo: voltou da rua com
mais uma garrafa de vinho e mais salgados. Quem o recebeu dessa vez foi outro
atendente, mais velho. F. fez o mesmo pedido e o homem disse que ficaria lhe
devendo o saca-rolhas, podendo apenas ceder o copo. F. então perguntou sobre o
restaurante e o homem lhe disse que “estava fechado há muitos anos, que ele
teria que voltar ao mercadinho para comprar um saca-rolhas ou pedir para alguém
tentar abrir a garrafa”.
Moscas vindas de algures, um nome escrito com a ponta de um
dedo invisível, uma solitária e pequenina marca de mão, um restaurante fechado
que voltou à plena atividade por um breve instante. Ficam as perguntas: quem
terá dirigido essas cenas desse filme da vida real? E por quê?
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