Brincadeiras cabulosas de áureos tempos
Algumas dessas brincadeiras não tinham um nome, tal como as brincadeiras mais tradicionais (pique, amarelinha etc.), portanto eu vou batizá-los de acordo com aquilo a que se propunham.
Prova do quarto escuro
Consistia em se colocar para tocar uma música sombria num quarto escuro e tentar permanecer lá dentro – com a porta fechada, lógico – o máximo de tempo possível. O ideal era aguentar o tempo total de duração da música, fosse qual fosse. Geralmente, não passava de 3 minutos. Sei que havia uma variação desse jogo, sem música. Como não participei dessa variante de jogo, não sei opinar se é melhor ou pior. Talvez seja pior sem música. Quando se está com medo num ambiente silencioso, adquirimos uma audição superdotada, e a imaginação dá “asas” aos tímpanos, então qualquer crepitar se transforma facilmente num rosnar de monstro, qualquer som exterior longínquo parece vir de perto – como o canto do saci, pássaro, que quando soa próximo, na verdade está distante, vice-versa, fazendo com que o caçador se embrenhe cada vez mais no mato, ou o canto da Kuntilanak, fantasma de mulher, lenda indonésia, que tem o mesmo modus operandi perverso, torturante, de confundir e perturbar a vítima.
No meu caso, o set list costumava ser o seguinte: Crucifixion, do Jesus Christ Superstar, que é cheia de risadas diabólicas, coros fúnebres e acordes dissonantes de sintetizador; Alguma das músicas da trilha sonora de O Exorcista, com suas pausas que são quebradas repentinamente por conjuntos de cordas dissonantes e volumosas, só para provocar aquele gostoso jump scare; duas músicas folclóricas do compacto da coleção Povos e Países – África do Sul, que eram bem esquisitas. Numa delas, uma mulher entrava em êxtase e começava a gritar no meio do registro, como se estivesse passando por uma dolorosa incorporação. Também faziam parte dessa “trilha sonora” Mr. Blackwell, do Kiss, com sua introdução bem Evil Dead, e Sunday Afternoon in the Park, do Van Halen, cujos efeitos com distorção, phaser e pitch lhe davam uma sonoridade cavernosa. Não me recordo se alguém conseguia permanecer até o fim de qualquer uma dessas músicas.
Explorar a casa de madrugada
Acordar no meio da madrugada, pegar uma lanterna e explorar a “casa” (entre aspas, porque eram apartamentos), especialmente os cômodos mais medonhos, como os quartinhos dos fundos, corredores, banheiros. O mais assustador para mim era acordar. Na época eu tinha o sono muito pesado...
Observar casas velhas e sombrias ou abandonadas
Apenas observar mesmo, mantendo uma distância respeitosa – principalmente quando a casa era habitada por pessoas e cachorros do tamanho de cavalos – e fazendo mil especulações (o que será que tem lá dentro? Como serão os moradores?). No caso de serem abandonadas, não entrávamos, como fazem hoje nossos intrépidos caça-fantasmas. Por falar em penetrar em domicílios, tínhamos um plano mirabolante de permanecer na escola após o fechamento para explorá-la. Achávamos que aquela escola era assombrada e que outras coisas esquisitas aconteciam por lá durante a noite. É claro que esse plano não saiu do “papel”, porque era demasiado cinematográfico. Anos depois, quando eu li um conto do Cortázar chamado Escola à noite, eu fiquei imaginando se encontraríamos algo parecido...
O infame Ouija e suas variantes
Um clássico. Muita gente participou da “brincadeira do copo”. Um belo dia, chegou às bancas o primeiro volume de uma coleção chamada Ciências Proibidas, Iniciação ao Espiritismo, que trazia como brinde um tabuleiro Ouija, feito de papelão plastificado, dobrável. Esse tabuleiro esteve por toda a parte, meus amigos mais próximos tinham.
Numa noite, fizemos uma séance na casa do meu pai, com esse tabuleiro (éramos seis). Movemos a mesa para o centro da sala, acendemos velas, apagamos as luzes e começamos. Não aconteceu nada de extraordinário durante o “jogo”, tanto que não me lembro das perguntas que foram feitas nem da identidade do espírito que entrou em contato conosco. Sempre ficava aquela sensação de que alguém estava empurrando o copo, isso é muito comum. Porém, depois...
Logo após o fim da sessão, quando acendemos as luzes e passamos a discutir acaloradamente o que tinha acontecido – uma parte dos participantes era cética, outra já acreditava –, a namorada do meu pai foi tomada por uma forte sonolência e foi se deitar. A primeira coisa curiosa é que ela não tinha o costume de dormir cedo, muito menos num sábado, e havia passado um pouco das 22h. Ela se despediu de todos e foi para o quarto. Continuamos a conversa. Pouco depois, meu pai se ausentou por alguns instantes da sala e, quando voltou, nos chamou, em voz baixa, dizendo “Venham ver uma coisa”. Nós o seguimos. Ele abriu a porta do quarto de dormir e, mesmo na entrada, deu para perceber uma variação absurda de temperatura: o quarto estava gelado. Tão frio, que saía aquela fumacinha ao se respirar. Não havia ar-condicionado, o ventilador estava desligado e a moça dormia profundamente, sem se incomodar com a temperatura (meu pai teve o cuidado de cobri-la). Era algo realmente inexplicável.
Havia variantes desse jogo: o do compasso, que era feito com um compasso aberto, preso a um livro com uma linha de costura; Combinava-se a regra com a entidade: se o livro virava para a direita, era sim, para a esquerda, não; esse era para dois participantes; e tinha o do copo, mas sem tabuleiro: as pessoas costumavam recortar papel em forma de quadradinhos, com as letras do alfabeto escritas neles, e dispô-los em círculo, numa superfície de mesa ou mesmo no chão.
O Ouija apareceu em muitos filmes entre os anos 70 e 80. O Exorcista, 1973 (o Pazuzu se manifesta inicialmente no tabuleiro como o simpático Capitão Howdy), Amityville 3-D, de 1983, Mensagens Mortais (Deadly Messages), de 1985, com a fala que se transformou em bordão, “Há alguém aí?”; Espírito Assassino (Witchboard), 1986, que teve duas sequências; e o mexicano e super trash Don’t Panic, de 1987, no qual os amigos da onça de um rapaz o presenteiam em seu aniversário com um tabuleiro e, como sempre, isso traz funestas consequências.
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O presente de grego em Don't Panic. |
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A arrepiante pergunta: "Há alguém aí?" (Mensagens Mortais). |
Não é uma brincadeira recomendável e isso é unânime entre diferentes correntes de estudo do oculto. Você pode despertar forças difíceis de controlar ou atrair coisas negativas igualmente complicadas de se dispersar. Não faça isso em casa.
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Até o Riquinho entrou na onda das séances. Wise up, kiddo! |
Ah, as velhas tardes depois da escola, as sextas e sábados, quando tínhamos mais tempo livre e tanta coisa para explorar e aprender... Bons tempos ventosos e chuvosos que não voltam mais.
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